1 de outubro de 2013

Desmilitarização da polícia: primeiras impressões da PEC 51/2013

Quando se clamava pela rejeição da PEC 37, sempre sustentei que a questão não era ser pró ou contra os poderes investigatórios do MP. A questão premente era (e é): o inquérito polical, tal como está, é com convite para a corrupção policial, para a ineficiência da máquina, para a pobreza na produção de "provas"etc.

Pois bem. Um dos elementos da crise da investigação policial é a insólita dicotomia polícia civil versus militar. Ao contrário da jabuticaba, não chega a ser orgulho nacional essa ave rara brasileira.

Recebi, portanto, como boa notícia a PEC 51/2013, proposta pelo Senador Lindbergh Farias, do PT do Rio de Janeiro, que trata da desmilitarização da polícia.

A inserção do art. 143-A à Constituição Federal estabelece princípios reitores da segurança pública. Não estou certo se uma lista de princípios terá força cogente, em especial porque orientará a elaboração de políticas públicas de segurança, cuja supervisão judicial é bastante remota. De qualquer forma, passa recados importantes: a prevalência da estratégias de prevenção, a valorização dos funcionários de segurança, a ênfase aos mecanismos de controle social e de promoção de transparência e, por fim, a determinação de fiscalização efetiva de abusos e ilícitos cometidos por profissionais da segurança pública. 

É o parágrafo único do novo art. 143-A que, em síntese, unifica a polícia, de natureza civil, "cuja função é garantir os direitos dos cidadãos, e que poderão recorrer ao uso comedido da força, segundo a proporcionalidade e razoabilidade, devendo atuar ostensiva e preventivamente, investigando e realizando a persecução criminal".

A unicidade, para além de expurgar o componente militar do trato do cidadão na pólis, confere racionalidade ao sistema: em nenhum paradigma defensável o comando da prevenção está em um órgão e o da repressão, em outro. Essa cisão só é admissível argumentativamente; na prática, as ações devem ser necessariamente articuladas.

Supondo que a polícia civil de fato consiga, no modelo atual, montar esquemas de investigação com vistas à prevenção (e não, quando muito, de meros fatos pretéritos), como funcionaria o vaso comunicante com a polícia militar? O Delegado compartilharia ao Comandante do Batalhão onde tais ou quais crimes incidiram? Ainda que isso fosse politicamente possível, não revelaria, por si só, que o eficiente seria uma única autoridade que articulasse as ações?

Com isso não se minimize a excrescência de uma polícia militar. A permanência dessa contradictio in adjecto só se explica pelo baixo compromisso que temos, como sociedade, com a liberdade. Quem ler o saboroso Rota 66 de Caco Barcelos verá como a Polícia Militar de São Paulo, esvaziada do inimigo combatido pela ditadura, centrou suas baterias nos jovens da periferia, dando corpo aos nefastos esquadrões da morte. 

Mas como não éramos jovens da periferia, não protestamos. Compramos o discurso de que a PM "só matava bandidos", afinal apenas os direitos humanos mereceriam respeito. Como não éramos nem bandidos, e sim "humanos direitos", não protestamos.

Brecht à parte, as manifestações de junho mostraram que a dicotomia mocinho e bandido não se aplica a uma atuação calculadamente violenta. Estando na rua e colocando-se contra o establishment, sobretudo se houver risco ao patrimônio, tome porrada! Amarildos e protestos depois, somos forçados a reconhecer que a cidadania que nos une a todos demanda um tratamento civil. Ponto.

Num próximo post, controle externo.

16 comentários:

  1. Muito bom texto, concordo integralmente (só tem um errinho de digitação no primeiro parágrafo: diz "polical" no lugar de policial" :P)

    ResponderExcluir
  2. MEU CARO...SÓ PUBLIQUE AQUILO QUE VOCÊ CONHEÇA.
    Texto demonstra um grande preconceito, desconhecimento de Polícia, recalque, visão distorcida da realidade das instituições. Pessoas como vc são pseudos conhecedores de Segurança Pública...citar "Caco Barcelos" é motivo de gargalhadas, caso vc não saiba, lá em SP esse imbecil foi CONDENADO pela Justiça por causa do livro ROTA 66....e vc o "endeusou"...rsrs.
    .
    LAMENTÁVEL.

    ResponderExcluir
  3. Não costumo manifestar-me acerca de muitos dos absurdos que lemos na internet. Mas, como tudo na vida, sempre há um limite. Pelo visto, o autor, ao defender a unicidade policial, desconhece que a dicotomia "polícia judiciária" e "polícia administrativa" - incluída nesta a "polícia de segurança pública"- se manifesta em todos os países integrados nos sistemas jurídicos romano-germânicos e decorre dos primórdios do direito administrativo francês.
    Deveria o autor, respeitosamente, a título de sugestão, como jurista que é, aprofundar-se no estudo dos atos policiais, sob o ponto de vista jurídico, para perceber que mazelas da atuação policial no Brasil se dão fortemente pela falta de construção dogmática sobre o tema, ao invés de, já no primeiro momento, publicar seu apoio a uma proposta de emenda constitucional elaborada por um antropólogo profundo desconhecedor da ciência jurídica.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom Sr Anônimo 3 quando refere-se a existência desse sistema falido desde os primórdios, quando a população necessita de uma polícia eficaz e de ciclo completo. O que se necessita por parte da população, é ser atendida, não importando quem o faça, deixando de ocorrer o vem sendo feito hoje, "há, esse não é meu serviço, tens que ir para a delegacia, ou mesmo, tens que chamar o 190, restando a Vtr que passa ao lado da ocorrência". Não se melhorou em nada o nosso sistema, que hoje esta podre e falido, e com policiais desmotivados, tratados por castas. Temos a policia judiciária e a administrativa, que em muitas vezes não se conversam, e nisso quem sai perdendo, a população, que só quer ser atendida no seu pleito. Se já temos a muito tempo esse sistema, e estamos vendo que não funciona mais, então devemos procurar algum que possa realmente diminuir a criminalidade, e trazer de volta a sensação de segurança a muito perdida.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. O sistema não é falido. Se o fosse, não teria resultados satisfatórios em outras nações. O problema brasileiro é de conteúdo, não essencialmente de forma, razão pela qual se faz urgente um aprofundamento das questões atinentes ao que a doutrina moderna denomina "medidas de polícia". Unificar polícias, desmilitarizando-as, entre outras propostas de cunho meramente orgânico, de nada adianta se não resolvidos os desrespeitos aos já existentes princípios jurídico-constitucionais que limitam a atuação policial. Ou seja, os excessos e outras falhas policiais continuariam a acontecer. Ademais, polícia é apenas um dos fatores envolvidos na solução da criminalidade e, certamente, nem é o principal - embora importantíssimo -, ao contrário do que vivem repetindo no Brasil, entre outros motivos, inclusive de conveniência, pelo desconhecimento e/ou desconsideração acerca dos seus reais motivos. A PEC desvia-se do cerne de discussão da criminalidade, é atrasada, diria conservadora, e míope.

      Excluir
    2. anonimo 3, bom já deu pra perceber que você não é um defensor isento, provavelmente você é um Delegado ou oficial da PM, que quer basicamente a manutenção do status quo vigente, ou seja não quer sair da zona de conforto e quer continuar a ter o monopólio da segurança publica sob suas mãos, quando você mudar a ótica míope que tem, vai deixar de defender um sistema que já ha muito tempo esta falido, falido sim e satisfatório somente pra você, é só constatar os altos índices de homicídios, latrocínios, e roubos que seu satisfatório cai por terra, no Brasil morre mais gente assassinada todos os anos do que a guerra na síria já ousou ter matado, o ciclo completo, carreira unica, e a unicidade policial não vão resolver o problema da segurança pública, mas é um grande passo nessa direção, a reforma é muito mais ampla do que sua imaginação possa pensar, passa por todo o legislativo, executivo e também, principalmente pelo judiciário.
      erros e excessos ocorrem com todos os profissionais em todas as áreas, é um paradoxo dizer que a polícia não é o um fator principal na solução da criminalidade e em seguida dizer que é importantíssimo isso só demonstra uma argumentação tendenciosa, outro contrassenso é dizer que a polícia não faz parte da discussão sobre criminalidade, quando é ela que é acionada quando um crime acaba de acontecer, a pec 51 altera radicalmente a conjuntura da segurança pública brasileira, muda sua estrutura, seu sistema de policiamento e cria novas policias nos municípios algo totalmente inovador, dizer que é conservadora e atrasada, só demonstra uma visão míope de quem só enxerga as próprias pretensões.

      Excluir
  5. Confesso que sou descrente de que possa acontecer uma mudança radical no modelo de segurança brasileiro, especialmente porque a estrutura atual de poder está intimamente ligada à política partidária, na pior acepção possível. Contudo é sempre bom que se instale o debate. Parabéns pelo texto.

    ResponderExcluir
  6. Fico pensando, a instituição mais respeitado do pais é o Corpo de Bombeiros, e elas são militares. O problema não está em ser militar e sim na função. Qualquer instituição que for incumbidada de fazer prevenção vai ser alvo de criticas. Ainda mais dos pseudo cientista sociais maconheiros. Vocês defendendo o seu direito de entrar na favela e comprar drogas. No passado a Polícia Miltiar só prendia pobres, hoje prende vocês maconheiros ricos que vão nas favelas comprar drogas. A revolta de vocês contra PM é essa.

    ResponderExcluir
  7. Sou escrivão de policiail civil e este modelo brasileiro atual e único no mundo só serve aos delegados e coronéis e não a população. O policial tem que trazer seu sonho de ascensão profissional e financeira para dentro da polícia só assim, motivo, ele irá prestar um bom serviço...chega de amadorismo e curiosos nas chefias da polícia brasileira... o povo precisa de profissionais experientes...

    ResponderExcluir
  8. Temos duas premissas a do interesse privado do Delegado e do Coronel e a do Governo, portanto são coisas distintas esses entendidos de policia como Caco Barcelos, Molica, Renato Resende, Datena, Wagner Montes, Sociologos, Antropologos,Advogados, Juizes, Promotores e muitos mais, não sabem da missa um terço.
    Mas vamos a realidade há um recalque entre agentes e autoridades, bem como de praças e oficiais, quem reclama deveria estudar passar num concurso e fazer diferente.
    Pois a Policia não é para ajudar ninguem é sempre para prejudical alguém.
    Sou agente da autoridade e estou fazendo o que aconselho, pois esta de tem que melhorar, isto já é dito a mais de 50 anos por vários entendidos.
    Hoje pondo a culpa no salário famelico, muitos policiais fazem o desgraçado do bico, onde normalmente trabalham 12 horas sem reclamar, mas nas suas unidades reclamam de tudo e nada fazem para mudar seus destinos, pois nunca tem tempo pois precisam ir para o bico.
    Que se foda a segurança privada este RAS, PROEIS no RJ é mais um jeito de escravizar pelo bico, pois contrata o proprio policial para prestar serviço.
    Porque não aumentar a carga horaria do policial e consequente mente de forma substancial seu salário, pois este já esta acostumado a trabalhar na folga, então não poderá reclamar da carga horaria.
    Enquanto não houver vontade dos policiais em mudar, pode ter PEC 300, 406,5...,Pec 51,52,53 pode ter tudo e nada acontecerá.
    Primeiro deve ser mudado a ideia de futuro dos policiais, nada adianta montar super corregedorias e não dar salarios e condiçoes de trabalho ao policial.
    Advogado deveria advogar,
    Promotor deveria recolher à suas atribuições, pois nem sempre quem pode o mais pode o menos, e não há regulamentação para a investigação criminal pelo MP, o CNMP não pode legislar sobre esta matéria Res 76/06.
    Sociologo deveria fazer pesquisas, bem como os antropologos.
    A imprenssa deve se ater a seus preceitos e não atuar de forma politica.
    Deixem a segurança publica para quem entende.
    É só dar uma olhada nem a PM nem a PC do Distrito Federal e as policias federais estão tão preocupados com esta discussão pois tem salaraios dignos.
    Fica um monte de incompetente querendo progredir de forma aloprada, sem esforço. o soldado quer ser coronel e o agente quer ser autoridade.
    Deveriam estudar e se tornar o que desejem.
    Para todos refletir e mudarem seus rumos da forma certa.

    ResponderExcluir
  9. Um dos problemas da PEC é a centralização do poder policial em uma única instituição. Modelo este que não funcionou onde foi empregado, e vai na contramão dos modelos adotados por EUA e diversos países europeus.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Em todos os locais do mundo temos uma unica polícia na base territorial, nos EUA, Europa, Japão, ou a competência é material, por tipo de crime, acho adequado você ir estudar um pouco antes de criar inverdades. em nenhum local do planeta temos duas polícias na mesma área geográfica atuando contra os mesmos tipos de crimes.
      na frança temos duas polícias uma militar e uma civil, Gendarmeria polícia militar francesa atua nas regiões de fronteira e pequenas cidades em sua jurisdição, exercem a função de policia ostensiva, administrativa e judiciaria em sua área de competência atuando como policia das forças armadas francesas e segurança de instalações militares sendo subordinada ao ministério da defesa daquele país, já a Police Nationale, policia civil francesa atua nas cidades francesas exercendo atividade de policiamento junto a população local, subordinada aos prefeitos locais das grandes cidades e ao ministério do interior nas outras,policia de ciclo completo também, ambas as policias exercem função de policia porem em situações e áreas distintas, os militares junto as forças armadas, fronteiras e pequenas cidades na sua jurisdição atuando na segurança nacional e outra junto a população civil que é o mais adequado, todas de ciclo completo, esse é um exemplo distinto de como funcionam as policias na frança, é descabido ainda crer que militares "combatendo o inimigo"possam realmente continuar a atuar junto a população local.
      a Pec51 é necessária e urgente!
      em favor de uma polícia mais humana pra todos!

      Excluir
  10. Interessante né!
    Todo mundo tem "CORAGEM" de falar o que quer e pensa! Como "Anônimo".
    Porque será que ningué se identifica? Bando de covardes. São iguaizinhos aos Black Blocs: atrás de uma máscara e em bando ou atrás do anonimato se diz e se faz qualquer coisa.

    ResponderExcluir
  11. Nunca vi ninguém contrário a PEC 51, tirando os Delegados e Oficiais. Ninguém que perder poder, prestígio, é do ser-humano. Os Oficiais dão a desculpa que o militarismo é algo ótimo (para eles), acham que só assim as coisas funcionam. Os Delegados insistem em achar que investigar é algo genuinamente jurídico. Querem se sentir como juízes tocando o ultrapassado (se é que algum dia foi válido nesses moldes) inquérito policial como se um processo judicial fosse.

    ResponderExcluir