29 de outubro de 2012

"Serrare Lombroso" e a (des)política criminal

Já é velha a notícia de que o candidato a prefeito de São Paulo José Serra lançou como proposta de política de segurança pública o acompanhamento de alunos, nas escolas, pela Fundação Casa (FEBEM), com vistas a detectar futuros criminosos e usuários de drogas.

Cesare Lombroso ficaria orgulhoso ao perceber que seu L'uomo delinquente, de 1876, em que pesem completamente desmentidas suas teses pelas ciências empíricas, ainda seduz formuladores de políticas (?) públicas de segurança. 

O candidato Serrare Lombroso, ao secundar estapafúrdia ideia, revela a ponta de um iceberg: o despreparo generalizado na formulação de uma política criminal, em todos os níveis.

Quando muito, a União e os Estados têm uma política penitenciária: a construção de mais vagas para dar conta da sempre crescente quantidade de condenados à pena privativa de liberdade. A política, porém, tende a ser paupérrima e a centrar-se na construção de prédios que, posteriormente, não são mantidos ou reformados. Ainda mais grave: as unidades não são pensadas à luz das atividades de “ressocialização”, havendo precaríssimas condições para ensino e atividades profissionalizantes. Isso para não mencionar o descalabro na assistência à saúde, na alimentação e as condições de higiene.

E política criminal, quando há, é precipuamente política penal. Exemplo gritante disso é o Projeto de Código Penal Sarney-Dipp que aumenta o requisito de progressão de regime para crimes violentos e hediondos, impactando os dois grupos mais importantes de presos: os por roubo e por tráfico de drogas. Perguntar não ofende: o que fazer com o boom prisional que se vivenciará? Hoje o déficit de vagas já é de 230.000...

Pouco ou nada se discute, com seriedade, no âmbito da prevenção dos delitos. O motivo principal é que isso não dá voto, dizem. Em segundo lugar pelo conservadorismo reinante nesse assunto, em que direita e esquerda quase não se distinguem (o episódio Serrare Lombroso, claro, é ponto fora da curva).

Muito embora os paradigmas etiológicos tenham sido abandonados por quase todos, disso não decorre que não se possam prevenir condutas indesejadas. Não instalando pre-cogs nas escolas (públicas, ficou implícito...), porém compreendendo sua gênese, seus vetores e fatores, dentro da dinâmica social.

Zonas da cidade cujos espaços de socialização se limitam a botecos de esquina + ausência de espaços de mediação de conflitos + acesso fácil a armas de fogo = homicídios violentos entre pessoas que se conhecem. Esse tem sido um diagnóstico importante dos homicídios nas zonas de periferia de grandes cidades. O que mudará com a maior permanência do homicida no sistema penitenciário? Nada. Uma política criminal verdadeira buscaria fomentar espaços coletivos de socialização, programas de composição de conflitos e de controle (ou banimento) de armas de fogo.

O descaso com o assunto alimenta o problema em círculo vicioso: novas vozes não surgem, dando espaço para que alguns desavisados, acostumados com “soluções” estapafúrdias, ao ouvir a proposta de Serrare Lombroso, pense consigo “até que não é má ideia...”.

2 comentários:

  1. Davi, permita-me. Não sou paulista, não vivo a vida política da cidade, mas acompanho com algum interesse as notícias e muito me interessa o tema da criminologia e da segurança pública, principalmente em relação à infância e juventude.

    Qual o problema de se oferecer assistência social e psicológica a crianças e adolescentes em situação de risco?

    Não entendo. Seria o emprego dos profissionais da Fundação Casa?

    Sou absolutamente crítico da institucionalização de adolescentes infratores (a pior das respostas), mas é inegável que existem ótimos projetos e profissionais no âmbito dessas instituições. Parece-me razoável que esse patrimônio seja utilizado na prestação de serviços nas escolas (desde que preservada a privacidade dos alunos).

    Você fala em prevenção situacional. Ótimo! Porém a proposta criticada surgiu em resposta a uma indagação sobre violência escolar...

    Haddad, na mesma entrevista, invocou uma política absolutamente vaga de prevenção primária. Não me agrada este discurso porque já virou jargão banal dos políticos profissionais de todos os cortes ideológicos (vide ACM Neto, aqui em Salvador).

    Em verdade, considerei a proposta do Serra muito boa (claro que entendida de maneira não excludente: prevenção primária E secundária; embora seja mesmo inadequado o termo 'propensão'), principalmente porque mais concreta do que a do concorrente!

    Desculpe-me, mas preciso fazer esta ressalva e apelar a uma autoridade: minha opinião passa longe de conservadorismo; funda-se justamente em uma crítica levada a cabo por Marcos Rolim, na obra "A síndrome da Rainha Vermelha", a respeito do discurso de prevenção primária (imagino que o conheça: gaúcho, sociólogo e militante petista - a meu ver, uma das maiores vozes da criminologia brasileira e no tema da segurança pública).

    Enfim, dada a repercussão eleitoral da entrevista, acho que nós, brasileiros, estamos desperdiçando uma ótima discussão. O que pensa?

    obs.: adicionei seu perfil no facebook desde que li o seu "Culpabilidade", porém, nunca tive a oportunidade de me manifestar. Parabéns pela obra! Leitura riquíssima!

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    1. Meu caro,

      obrigado pelo comentário. Não entendo como a Fundação Casa possa fazer prevenção primária em escolas. Quais perfis procurar? O sujeito líder, agressivo, articulado e transgressor de normas poderá redundar em um líder criminoso ou em um grande empresário. Não acredito em prognose possível. Além disso, duvido que a Fundação Casa fosse atuar em escolas particulares...
      Além disso, que colaboração a Fundação Casa tem dado para a redução da criminalidade? Que expetise eles têm?
      Estamos, sim, em um debate fraco e insosso, em todos os lados políticos do front e, de fato, desperdiçando oportunidades.
      Fundação Casa com Lombroso, porém, não parece alternativa viável.
      Abração e vamos dialogando!

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