O último post a propósito da desmilitarização das polícias gerou comentários intensos, de lado a lado do debate. Prova de que a questão é polêmica e que merecer ser publicamente debatida.
Uma das lições mais singelas de ciência política é a de que o poder corrompe. É da natureza do detentor do poder ver-se tentado a usá-lo consoante seus interesses privados. E faço um parêntese: privado não é sinônimo de corrupto (assim entendido conforme o Direito Penal). Um promotor de justiça que tenha perdido um ente querido em um assalto tenderá a exercer seu munus de maneira não-neutra ao atuar em casos de latrocínio; um servidor da justiça eleitoral poderá ser mais célere com pleitos que interessem ao campo ideológico a que se filie; um funcionário do Tribunal de Contas com fortes convicções religiosas poderá implicar com projetos públicos direcionados a grupos LGBT. Tudo isso em receber um único tostão de quem quer que seja. Mas são todos exemplos latos de corrupção no sentido de atos públicos maculados, contaminados, viciados por interesses privados, pessoais, não-republicanos.
Sendo ínsito ao ser humano deixar-se corromper pelo poder, a única estratégia com vistas a preservar a integridade dos atos públicos é promover-lhe controle externo. Exigir que os atos sejam adequadamente motivados; que existam procedimentos a que todos os atos se submetam; que haja sanções administrativas àqueles que abusem da condição que ostentam.
Esse é o ponto do controle externos das Polícias: as Corregedorias (em que pese a atuação competente de muitas delas) quando compostas por agentes da própria corporação será sempre internamente pressionada a servir a interesses corporativos. De mais a mais, os Corregedores respondem ao Delegado-Geral e, com isso, têm, por definição, atuação limitada pelo jogo interno de poder.
A PEC 51/2013 prevê que as Ouvidorias externas terão autonomia orçamentária e funcional (sob pena de não haver a necessária independência). Quais seriam suas atribuições constitucionais:
a) requisitar esclarecimentos do órgão policial e dos demais órgãos de segurança pública;
b) avaliar a atuação do órgão policial, propondo providências administrativas ou medidas necessárias ao aperfeiçoamento de suas atividades;
c) zelar pela integração e compartilhamento das informações entre os órgãos de segurança pública e pela ênfase no caráter preventivo da atividade policial;
d) suspender a prática, pelo órgão policial, de procedimentos comprovadamente incompatíveis com uma atuação humanizada e democrática dos órgãos policiais;
e) receber e conhecer das reclamações contra profissionais integrantes de órgão policial, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional das instâncias internas, podendo aplicar sanções administrativas, inclusive a remoção, a disponibilidade ou a demissão do cargo, assegurada a ampla defesa;
f) representar ao MP, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; e
g) elaborar anualmente relatório sobre a situação da segurança pública em sua região, a atuação de órgão policial de sua competência e dos demais órgãos de segurança pública, bem como sobre as atividades que desenvolver, incluindo as denúncias recebidas e as decisões proferidas.
Controle externo e independente das atividades públicas. Essa é a chave para a democratização do Estado: a criação de um ambiente público e arejado de responsabilização externa de abusos.
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